sexta-feira, 11 de abril de 2008

nasci para ser ignorante


nasci para ser ignorante
mas os parentes teimaram
(e dali não arrancaram)
em fazer de mim estudante.

que remédio? obedeci.
há já três lustros que estudo.
aprender, aprendi tudo,
mas tudo desaprendi.

perdi o nome às Estrelas,
aos nossos rios e aos de fora.
confundo fauna com flora.
atrapalham-me as parcelas.

mas passo dias inteiros
a ver um rio passar.
com aves e ondas do Mar
tenho amores verdadeiros.

rebrilha sempre uma Estrela
por sobre o meu parapeito;
pois não sou eu que me deito
sem ter falado com ela.

conheço mais de mil flores.
elas conhecem-me a mim.
só não sei como em latim
as crismaram os doutores.

no entanto sou promovido,
mal haja lugar aberto,
a mestre: julgam-me esperto,
inteligente e sabido.

o pior é se um director
espreita p'la fechadura:
lá se vai licenciatura
se ouve as lições do doutor.

lá se vai o ordenado
de tuta-e-meia por mês.
lá fico eu de uma vez
um Poeta desempregado.

se me não lograr o fado
porém, com tais directores,
e de rios, aves e flores
somente for vigiado,

enquanto as aulas correrem
não sentirei calafrios,
que flores, aves e rios
ignorante é que me querem.



Sebastião da Gama

quarta-feira, 9 de abril de 2008

tem dias




"eu não sou lá muito dado, a grandes filosofias.
vou vivendo a minha vida que é como todas, tem dias.
e tem dias em que às vezes dou comigo a pensar
quantas vidas tem a vida, e que sentido lhes dás.

mais um dia assim e juro que fugia
escondendo-me como um bicho
mais um dia assim e juro que morria
um dia para o lixo.

esses dias em que o dia teima em não querer acabar
e que depois das contas feitas nada fica para contar
e nos gestos repetidos e à força dos repetir
perdem todo o sentido, sente-se a vida a fugir.

e se olhar à minha volta nem uma cara conhecida
ninguém com quem valha a pena dizer mal da vida"


Carlos Bruno - tem dias